ATA DA QÜINQUAGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 13.12.1991.

 


Aos treze dias do mês de dezembro do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Qüinquagésima Primeira Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura. Às dezessete horas e trinta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo à Professora Universitária Maria da Glória Bordini, conforme Processo nº 1354/91, de autoria do Vereador Antonio Hohlfeldt. Após, o Senhor Presidente convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Professor Waldomiro Carlos Manfroi, Pró-Reitor de Extensão da UFRGS; Senhor Fernando Schiller, representando o Prefeito Municipal de Porto Alegre; Senhor Luís Fernando Veríssimo, Jornalista e Escritor; Senhora Maria da Glória Bordini, Homenageada; Senhor Jorge Bordini, Irmão da Homenageada; Vereador Clóvis Ilgenfritz, 3º Secretário da Casa. Ainda, como extensão da Mesa, o Senhor Presidente registrou as presenças de Maria Carpi, Maria Biasiori, Naídes Bordini, Necy Zonta, Ana Zandawais, Mosart Pereira Soares e Flávio Loureiro Chaves. A seguir, o Vereador Antonio Hohlfeldt convidou o Professor Waldomiro Carlos Manfroi a assumir a presidência dos trabalhos e, em nome da Casa, pronunciou-se acerca da solenidade, comentando a atuação da Homenageada na área do magistério e da difusão cultural, principalmente no âmbito da literatura. Ainda, discorreu sobre o significado do prêmio hoje entregue e a justeza da indicação da Professora Maria da Glória Bordini para o mesmo. A seguir, o Vereador Antonio Hohlfeldt reassumiu a presidência dos trabalhos e registrou a presença, no Plenário, dos Senhores José Otávio Bertazzo, Maria Luiza Remédios, Regina Zilbermann e Eduardo Cruz. Também, procedeu à leitura de correspondência recebida pela Casa relativa ao presente evento. Em continuidade, convidou a todos para, de pé, assistirem à entrega, pelo Vereador Clóvis Ilgenfritz, do Diploma referente ao Prêmio Literário Érico Veríssimo à Professora Maria da Glória Bordini. Ainda, o Senhor Presidente procedeu à entrega, à Homenageada, de lembrança deste Legislativo e concedeu a palavra a Sua Senhoria, que agradeceu o prêmio hoje recebido. Finalizando, o Senhor Presidente registrou as presenças, no Plenário, dos Senhores Antonio Assis Brasil, Vera Regina Morganti, Vera Teixeira de Aguiar, Carlos Baungart, Maria Eunice Moreira e Sônia Duro. Após, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e nove minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Extraordinária, a seguir. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Antonio Hohlfeldt e secretariados pelo Vereador Clóvis Ilgenfritz. Do que eu, Clóvis Ilgenfritz, 3º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada por todos os Senhores Vereadores presentes.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfelt): (Menciona os componentes da Mesa.) Boa tarde! Vamos iniciar a 51ª Sessão Solene, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária, com a qual também estamos encerrando o ano legislativo na Câmara Municipal de Porto Alegre. Gostaríamos, preliminarmente, de pedir desculpas pelo atraso desta Sessão, mas como muitas das pessoas viram, a Casa está em plena atividade. Temos hoje uma pauta de cerca de 70 projetos em votação, até a meia-noite, e, evidentemente, em alguns momentos, discussões até exacerbadas em torno de alguns dos projetos, com as diferentes posições de Bancadas, motivo pelo qual, inclusive, as lideranças partidárias, pediram para que eu fizesse a representação total da Casa, porque ninguém se afasta do Plenário, porque corre o risco de perder uma votação por um voto. E isso é fundamental, são basicamente projetos de Vereadores, projetos mais variados possíveis, estávamos, neste momento, discutindo a questão de escritórios de representação da descentralização da Prefeitura em bairros, antes discutíamos a questão de subvenções ao desporto amador, pela manhã votamos e discutimos matéria atinente a modificações a legislação pertinente a professores do Município. Enfim, temas os mais diferentes possíveis, e a demora na tramitação significa não a preguiça do Vereador, mas aquela articulação política necessária, o que muitos chamariam de “conchavos”, para chegarmos a um resultado final condizente com as diferentes bancadas.

Isso dito, passamos formalmente a esta Sessão que terá a nossa expressão, a nossa fala, a nossa homenagem à Profª Maria da Glória, e vou me permitir quebrar o protocolo da Casa, pedindo que o Prof. Manfroi, Pró-Reitor da Universidade, quando eu assumir a tribuna, para que fique responsável pela presidência dos nossos trabalhos, ele que já tem experiência na Universidade, portanto, vai ter que assumir aqui a sua função.

Queria, antes de mais nada, registrar, que é uma imensa alegria, como extensão da Mesa, dentre outras pessoas presentes, as presenças da Drª Maria Carpi, poeta, que já recebeu o Prêmio Érico Veríssimo; da Srª Maria Biaziori, da Srª Naides Bordini, da Srª Necy Zonta, tias da Profª Maria da Glória; da Profª Ana Zandavais, representando a Secretaria Municipal de Educação; do nosso Prof. Mozart Pereira Soares, na representação da Secretaria Estadual da Cultura; do Prof. Flávio Loureiro Chaves, que também recebeu este prêmio pelo seu trabalho dedicado à obra de Érico Veríssimo, e vejo aqui muitos outros companheiros da área de cultura presentes a quem queremos dar as boas-vindas.

Pediria ao companheiro Manfroi para assumir a presidência, para que eu possa ocupar a tribuna para a manifestação formal da Casa à nossa homenageada.

 

O SR. WALDOMIRO CARLOS MANFROI: Com dupla honra, assumo a presidência dos trabalhos, em primeiro lugar, por substituir o Presidente desta Casa, que todos nós conhecemos, e, em segundo lugar, por homenagear a nossa Profª Maria da Glória Bordini, nossa amiga, e, sem me alongar, passo a palavra ao Presidente da Casa.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: (Menciona os componentes da Mesa.) Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a iniciativa desta homenagem, se foi coordenada, formalizada por mim, se deve, fundamentalmente, a um casal de amigos da Maria da Glória, que é a Regina e o Isaac Zilbermann, foram eles que me sugeriram esta homenagem, e como primeira manifestação, gostaria de tornar público isso, porque aqui estão eles, a fofoca nasceu da Regina, o correio do Isaac que chegou até a casa.

Em segundo lugar, gostaria de dizer que não sei se homenageio a minha companheira professora, a minha professora, ou a minha amiga, porque, efetivamente, a minha relação com a Maria da Glória é muito longa, muito antiga.

Lembro da Maria da Glória saindo da Universidade, e eu entrando, com isso não estou querendo dizer que somos tão velhos assim, temos alguma experiência de universidade, e lembro dela ainda naquele prédio da Editora Globo, no Menino Deus, preparando originais, discutindo edições, bolando junto com os Bertaso as diferentes maneiras de levar o livro até os nossos jovens leitores, inclusive uma série para-didática, as quais acabei fazendo parte de alguns projetos, depois vejo a Maria da Glória, efetivamente, a professora universitária, e como professora, vivendo um período que, todos vão lembrar, dos mais difíceis da nossa universidade, o momento em que, através do AI-5, foram afastados dezenas de professores, e aqueles que não foram afastados, numa decisão difícil, corajosa, decidindo-se por um acompanhamento, por um protesto, pedindo eles próprios o seu afastamento. Lembro da Maria da Glória depois nas salas de aula, seja no Curso de Letras, seja no Departamento de Arte Dramática, trabalhando com diferentes cadeiras, vejo a Maria da Glória em palestras, nas associações mais diferentes que envolvem escritores e críticos, e vejo a Maria da Glória, sobretudo, como coordenadora de coleções, especialmente, na Editora LP&M, aqui, representada pelo Ivan e pelo Lima, dentre outros.

O que eu queria ressaltar em todas as atividades da Maria da Glória é que em todo o momento, em todas elas, ela está assim mesmo como ela está agora: com esta cara simpática e risonha, e isso é importante para todos nós. Àqueles que, eventualmente, assistiram parte da nossa Sessão, no outro lado, viram que, de vez em quando, a gente é duro, às vezes até agressivo, dentro dessa disputa, uma tentativa de controle do Plenário, nós sabemos que o nosso trabalho profissional, o nosso “metier” como escritores, como professores, às vezes como editores, também é duro, também; às vezes, é uma função em que nos colocamos obrigatoriamente com certa antipatia com relação a algumas coisas, e a Maria da Glória, no entanto, é uma dessas pessoas que, mesmo quando ela diz um não, porque assim tem que ser feito, e eu já levei um não da Maria da Glória em alguma ocasião, e ela vai lembrar, ela diz com muita tranqüilidade, com muita suavidade, com muito respeito, e acho que isso é muito importante.

E esse registro que faço do sorriso, do carinho, da simpatia, e da intelectual Maria da Glória, porque acho que tem a ver com uma outra coisa mais importante, e que é o que eu gostaria de destacar, que é a integridade intelectual da Professora, e que por certo aproxima muito daquele que é o que empresta o seu nome postumamente ao prêmio que esta Casa instituiu anos atrás, Érico Veríssimo.

Do Érico já se disse tantas coisas boas, e tantas coisas ruins, e eu relembrava, em outra ocasião, do Érico sobretudo se cobrava porque, aparentemente, não estava numa, ou noutra das duas grandes posições, e só aqueles que entenderam profundamente o Érico entenderam que, pelo contrário, o Érico estava na posição mais difícil, que era a posição de não agradar a uns, e outros, mas tentar manter esta integridade.

Era exatamente isso que eu queria registrar, neste momento, Maria da Glória, nesta homenagem, a homenagem à integridade intelectual, à seriedade profissional que tu tens tido, e do qual tenho ouvido diversas vezes de alunos, da UFRGS; da PUC, dos diferentes cursos dos quais participas, das palestras que realizas, tantos de nós realizamos através do Estado, e fora dele, na própria organização das coleções, na escolha dos textos, não ter medo de dizer não quando isso é necessário, nem ter medo de dizer sim, quando cabe, abrir mão de algumas coisas, em certos momentos, e, ao contrário, enfrentar os desafios dos momentos necessários.

Por tudo isso, Maria da Glória, merecerias o reconhecimento desta cidade, porque, acima de tudo, acho que esta tarefa que realizas, hoje em dia, com algumas companheiras, e a organização do espólio literário, intelectual de Érico Veríssimo, mais do que uma tarefa profissional, uma tarefa carinhosa, que eu tive a oportunidade de acompanhar, quando produzi para a Editora Tchê, um pequeno livro a respeito de Érico, e que discutia com o Luís Fernando a inclusão de algum material, o carinho e o cuidado com que a Maria da Glória, ainda nos primeiros tempos, levantava esse material, buscava catalogá-los, e, sobretudo, talvez, o mais difícil de tudo, tentava garantir os financiamentos necessários para este trabalho, e, como vocês sabem, na área intelectual, o financiamento é, talvez, dez vezes mais difícil do que a própria realização da tarefa intelectual. Conseguir montar essa empresa, esse empreendimento, e mantê-lo ao longo dos anos, guardando a memória, diria mais do que guardando a memória, recuperando dados, aspectos da vida e da obra de Érico, sem dúvida nenhuma, é um empreendimento difícil e, simultaneamente, um empreendimento profundamente importante.

Ontem, à noite, Maria da Glória, ia ao estúdio da TV Educativa, e tive o prazer de ver painéis novos, um dos programas que a TVE utiliza, não sei qual, e tive a imensa alegria de encontrar num desses painéis, a imagem dos Sete Povos, a imagem da lenda tradicional com a figura do Sepé, e por sobre tudo isso, a figura, a fotografia que todos nós conhecemos tão bem do nosso Érico Veríssimo: o seu cabelo grisalho, o seu olhar muito tranqüilo, como que a cuidar dessas perspectivas culturais, desses desafios permanentes que vivemos no Rio Grande do Sul, como que pairando por cima de todos nós. Gostaria que por baixo dessas bandeiras dos companheiros do PC do B, que farão seu congresso aqui, a partir de hoje à noite, e durante todo o final de semana, pairasse, exatamente, essa imagem do Érico Veríssimo, e que todos nós, nesses tempos tão difíceis do Brasil, pudéssemos ter a tranqüilidade e a competência e a seriedade com que a Maria da Glória Bordini vem desenvolvendo o seu trabalho, não apenas neste desafio do espólio do Érico, mas também em todos os aspectos diferenciados do seu trabalho.

É por tudo isso, Maria da Glória, que me sinto agradecido à Regina e ao Isaac, pela oportunidade, agradecido a ti, porque aceitaste a homenagem em nome da Cidade, através desta Casa, e ao Luís Fernando que, mantendo o Patrono Érico Veríssimo, mantém, também, evidentemente, a premiação, que é simples, mas que é muito carinhosa que esta Câmara, permanentemente, entrega a determinados escritores, determinados críticos. Gostaria de salientar que, ultimamente, quem sabe lá, sinais dos tempos, esse nosso prêmio tem ido, não apenas para escritores de ficção, ou poetas, mas através do Flávio e, agora, através da Maria da Glória, também vai aos críticos, aos professores e vai, exatamente, àqueles dois que mais se dedicaram, até o momento, à divulgação e a análise da obra do Érico. Porque do Flávio eu lembrava, eu aluno, das suas aulas na universidade, e da Maria da Glória lembro, permanentemente, de toda a preocupação dela em fazer as análises, os textos, divulgar a obra do Érico e reeditar seus textos.

Por isso, nada mais do que justa esta homenagem, e só esperamos que este tipo de gesto da Câmara de Vereadores também possa ocorrer em outras Câmaras de Vereadores, que estes espaços não sejam apenas para a disputa político-partidária, mas que sejam também para alguns momentos de cultura, porque acho que as Câmaras, que os Parlamentos, em geral, ganharão bastante. Obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Queria agradecer ao Prof. Manfroi, já mostrou que se quiser ser candidato, está pronto para presidir uma Mesa da Câmara de Vereadores, sem nenhum problema.

Gostaria de registrar as presenças do Sr. José Otávio Bertaso, da Editora Globo; da Profª Maria Luiza Remédio, da PUC; Profª Regina Zilbermann, que já registramos; e do Eduardo Cruz, diretor de teatro. Há outras presenças a serem registradas, o que faremos gradualmente.

Profª Maria da Glória, recebemos do Instituto de Letras, mensagem da Profª Ana Maria Guimarães, Diretora. (Lê.)

Passamos, agora, à entrega do Diploma correspondente da Câmara Municipal de Porto Alegre: (Lê.) “Câmara Municipal de Porto Alegre, nos termos da Resolução 725, de 22 de outubro de 1979, confere o Prêmio Literário Érico Veríssimo a Maria da Glória Bordini, por sua valiosa contribuição para o enriquecimento das letras nacionais.”

Convidaria o Ver. Clovis Ilgenfritz para que fizesse a entrega do Diploma à Profª Maria da Glória.

 

(É feita a entrega do Diploma.)

 

 O SR. PRESIDENTE: Passo, também, às mãos da Profª Maria da Glória uma pequena lembrança da Câmara, que é um conjunto de xícara e pires com as armas da cidade e da Câmara.

 

(É feita a entrega.)

 

O SR. PRESIDENTE: Neste momento, passamos a palavra a nossa homenageada.

 

A SRA. MARIA DA GLÓRIA BORDINI: Sr. Presidente desta Câmara Municipal, Vereadores, autoridades presentes, e representadas, meus colegas, meus amigos, ele me incitou e agora vocês vão ter que ouvir.

Esta homenagem, acredito, que não deveria ser feita a mim, em primeiro lugar, quando, na platéia, há colegas mais qualificados por merecê-la, que tem lutado com denodo, inclusive, enfrentado incompreensões pela causa do que chamamos de “cultura letrada”, e que fizeram do nome do Rio Grande do Sul um ponto de referência obrigatória para quem fala de literatura e do seu ensino. Há pessoas aqui, e elas sabem, que têm dado o melhor de suas vidas, roubado tempo da família e do lazer para combater aquele poderoso pacto de mediocridade que torna muitos, na área de letras, uns cordeiros dóceis de um rebanho tangido para aquilo que eu chamaria de um “matadouro do intelecto”, a acomodação com aquilo que já está pronto, com as formas consagradas, com as ficções fisiológicas convenientes, com elogio mútuo para esconder as debilidades de cada um. Então, compareço a essa tribuna de honra, não por mim, portanto, mas para ocupar um espaço de reconhecimento social em nome desses que dificilmente aparecem nos meios de comunicação de massa, aqueles que, mesmo recebendo remunerações aviltantes, cumprem com alto grau de profissionalismo sua tarefa de trabalhadores de Letras, essa gente meio fora do ar, muitas vezes olhada com desdém, porque preserva e amplia a vida simbólica de sua comunidade.

Se alguma coisa me pode ser atribuída e não a tantas pessoas dedicadas e entusiastas que já colaboraram comigo, nos tempos da Editora Globo ou no agora dessa vivência acadêmica entre PUCRS e UFRGS, essa coisa também não é minha propriedade individual. Não poderia estar aqui, recebendo este prêmio, não fosse por Adyr e Lídia, meus pais, que se desdobraram para que os filhos tivessem acesso a bens culturais e chegassem à universidade – imaginem, ele um mecânico e ela uma professora primária. Muito menos estaria eu aqui não fossem aqueles que me iniciaram naquilo que chamo de paixão teórica, o falecido Prof. Ângelo Ricci, diretor cassado da Faculdade de Filosofia da UFRGS, e o Prof. Dionísio de Oliveira Toledo, hoje lecionando na Sorbonne. Por outro lado, não sei se estaria aqui, não fossem aqueles que me obrigaram a continuar nas Letras – o triunvirato militar de 1969 e seu AI-5, que me jogou nas malhas da Globo, o José Otávio Bertasso, que nelas me colheu e me abriu todo um outro mundo – o das letras impressas e seus autores em carne e osso. Por último, eu não estaria aqui se a minha amiga e professora, Regina Zilberman, não tivesse passado esse tempo todo me infernizando a paciência para que eu não parasse de estudar e de produzir, como, aliás, continua fazendo com muita gente. Além de mencionar Maurício Rosenblatt, que me deu muitas lições de livro e de vida, deixo por último, mas não por menor, aquele que me apoiou quando vítima da ditadura, que confiava em mim como “o nosso homem em Havana”, confiança essa que, depois de sua morte, se traduziu na distinção de poder trabalhar na sua sala de trabalho, à sua mesa, com os seus originais e documentos, o patrono desse prêmio.

Acredito que o Antonio se lembrou de mim, ou foi lembrado por alguém, porque desde 1982 fui encarregada pela Mafalda Veríssimo de organizar a documentação literária que Érico deixara e, ao longo desses anos, a equipe que o Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS veio a formar para a realização mais competente dessa tarefa, não só catalogou e arquivou todos os itens do Acervo de Érico, mas empenhou-se em promover eventos, desde seminários até exposições e publicações que impedissem o esquecimento público da participação intelectual do autor de “O Tempo e o Vento” na cultura brasileira.

Já estive presente em outras ocasiões dessa premiação, e nela o Érico sempre tem sido evocado ou pela sua inequívoca potência estética de romancista, e/ou pela sua coerência e independência de avaliação nos momentos cruciais da história do Brasil e do mundo. Há, porém, uma faceta desse escritor admirável como poucos, que me parece oportuno salientar nesses nossos dias de desalento com as coisas do espírito. Trata-se de seu papel de agente cultural, em que ele sempre foi tão discreto, que poucos sequer identificam.

Um escritor no imaginário geral, deve escrever e dai obter sua fama. Ninguém exige de um escritor que ele gaste seu tempo de produção com atividades de cunho cultural, embora se aceite que ele, delas participando, venha auferir alguma notoriedade a mais. Aparecer em público, dessa forma, para um escritor, significaria lançar um livro, dar uma entrevista na mídia, fazer uma palestra sobre sua própria obra, responder cartas de admiradores e pouco mais do que isso.

Érico decerto se enquadraria nessa figura imaginária, pois fez tudo isso e com um senso mais do que realista de que se não o fizesse, numa sociedade de mercado como a nossa, jamais poderia manter-se e à família e a tantos agregados e protegidos que nunca alardeou, só com os proventos de sua arte.

Entretanto, ele foi muito além da construção de uma imagem pública sedutora que visasse os seus próprios interesses de escritor. Tinha sempre tempo para o outro: fosse para ler um colega ou um candidato a colega, fosse para receber colegiais ou turistas, fosse para promover alguém bem dotado, ouvir um sofredor ansioso por uma catarse, assumir funções administrativas desde as mais humildes até as mais elevadas, desde que ligadas a assuntos culturais, e, especialmente naqueles momentos em que a maioria silenciava, erguer a palavra contra a prepotência, defender ativistas perseguidos, acusar regimes autoritários.

Para Érico, não é possível criar sem liberdade, escrever livros e deixar que homens sejam esmagados fora deles. Garantir a democracia era para ele também garantir a expansão da cultura. Por isso, cumpria trabalhar “como um mouro” à testa do Departamento de Assuntos Culturais da OEA, conciliando dissensões internas e ciumeiras intersetoriais, tanto quanto viajando muito, pelos países latino-americanos e pelos Estados Unidos da América, a fim de coordenar esforços de efetiva colaboração cultural, tentar desarmar conluios em favor de interesses escusos do Primeiro ou do Terceiro Mundo.

Se ele falava do Brasil e sua história, da arte do romance, suas tendências políticas e do romance gaúcho aos americanos (v.IIa205-65), que o ouviam atentamente, falava também a certos ouvidos moucos como os do Min. Juracy Magalhães, em 20 de novembro de 1965, coisas como essa: “sinto-me no dever de apresentar a V. Exª o meu protesto de velho liberal contra a prisão dos escritores brasileiros que, por ocasião da conferência da OEA no Rio de Janeiro, fizeram uma demonstração de protesto contra a nossa atual forma de governo... Se V. Exª ponderar que aqueles oito intelectuais não representam a opinião do nosso povo, eu lhe replicarei que esse povo também não foi consultado sobre o sistema de governo que resultou no secundo Ato Institucional. ...Lamento, porém, e com profunda decepção e tristeza que, para salvar a democracia o atual governo tenha achado indispensável agredir de maneira tão brutal as liberdades civis e os direitos humanos” (IIa188-65).

Esta fraqueza no trato de questões políticas vinculadas à esfera da cultura em Érico era igualada no plano de conselheiro literário particular. Ele diria abertamente a um novelista iniciante: “a leitura não diverte, não convida a continuar. O interesse da primeira parte é nulo; o da segunda, é medíocre... Como primeiro ensaio de romance, seu livro não está de todo mau. Vale como exercício. Mas não deve ser publicado... Se V. publicar o romance, no futuro nunca mais se poderá livrar dele. E os que o tiverem conhecido através dessa primeira aventura ficcionista, dificilmente ou nunca tornarão a abrir um livro que traga o seu nome” (IIa175-41). Todavia, Érico jamais ficava na avaliação negativa. Ao mesmo iniciante diz que o livro tem cenas interessantes, trechos bem aproveitáveis e que se vier visitá-lo poderá mostrar no texto como afastar certos problemas. Demonstra-se, assim, como Érico entendia o seu papel de formador de escritores: criticava sem contemplação, mas dispunha-se a ensinar o que sabia, deixando o outro à vontade para aceitar ou não.

Outro traço da condução democrática dos assuntos culturais foi sua capacidade de agenciar autores estrangeiros de nomeada e trazê-los para a língua portuguesa, no seu período de editor conjunto na Globo, através de coleções que marcaram a formação literária de boa parte dos atuais escritores deste País. O que poucos sabem é que Érico era um leitor aplicado e perspicaz de seus colegas brasileiros, a ponto de ter escrito – caso único nas letras nacionais – uma história da literatura brasileira em inglês, cumprindo as exigências do molde acadêmico usual, com períodos delimitados, autores analisados, contextos situados e uma boa prospecção do que o público consagraria entre seus conterrâneos.

Isso tudo pode ser dito e revelado graças à existência do Acervo Literário de Érico Veríssimo, atendido pelo Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS e mantido pela família de Érico. Creio que a comunidade sul-rio-grandense poderia encontrar ali muitos outros depoimentos e contribuições para entender a sua identidade, se souber valorizar os documentos que ali estão guardados à espera de estudiosos. A vontade de participar da construção da cultura, tão cara a Érico, poderia, assim, ter continuidade não só pela leitura de sua obra, mas pelo estudo do que subjaz a ela: a crença no poder da palavra e na ação do sujeito sobre a História. Não é isso que anda em falta no nosso meio letrado?

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa coloca a palavra a disposição, se houver algum dos nossos convidados que queira se manifestar sobre a nossa homenageada, poderá fazê-lo a partir deste momento. (Pausa.)

Então, não havendo quem queira se pronunciar, queremos registrar, ainda, as presenças do Escritor Antônio Carlos Rezende; do Escritor Luiz A. Assis Brasil, da Profª Vera Regina Morganti, da Profª Vera Aguiar, Prof. Carlos Baungart, da Profª Maria Eunice Moreira, da companheira Sônia Duro, Profª Lúcia Helena. E agradecer a presença de todos e, sobretudo, a presença do Luís Fernando, da representação do nosso escritor Érico Veríssimo, que dá o nome a este prêmio, agradecer a presença do Prof. Waldomiro Manfroi, do Fernando Schiller, na representação do Prefeito e da Secretaria Municipal de Cultura e, sobretudo, agradecer a presença da Maria da Glória.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h09min.)

 

* * * * *